Eu, eu mesmo?!

by - 16 janeiro


Tão assustado que eu já não sabia se era três da manhã ou cinco da tarde, havia tanta sede dentro de mim que era inexplicável o que estava acontecendo, os ventos sopravam e era úmido mas eu podia sentir suor em mim, em pouco tempo o relógio já apontava seis e vinte e nem sequer eu, poderia me reconhecer, decidi ser palhaço e distribuir risadas, meu cabelo não era mais meu, minhas meias, uma de minha mãe e outro de meu irmão do meio, combinavam perfeitamente com os sapatões de meu pai, caí na estrada cedo, não queria perder a trupe, que a muito já erguiam acampamento.
Segui sendo palhaço, mas a tempo eu já não sentia o frio na barriga, não havia mais aquilo que me movia, eu precisava de mais, eu queria mais, esse “mais” era gigantesco e mais uma vez inexplicável, e lá eu já seria Joana. Cantaria e dançaria, me afastaria ainda mais daquele menino que jogava bola e catava goiaba, e o mundo é tão grande e as horas passam tão depressa e a pressa já não me pertence à tanto tempo,  que as noites já não eram suficientes, e outra vez quis ser palhaço mas palhaço já não quero ser, então quis ser artesão e poder criar esculturas incriáveis, mas depois disso fui tantas coisas que agora já se passaram tantos amanheceres, que já pude me despedir de mim mesmo, que nem me lembro mais nome dado por meus pais.

E nesse exato momento me chamam de Carlos, Antônio e até de Maria e eu ainda não sei quem sou, passei tanto tempo querendo ser um outro eu, me espelhando nos outros, que esqueci do que gosto, já não sei dizer qual é minha comida preferida, sempre acho que é tofu como a do meu eu, José que tem avós coreanos, eu quero saber de tudo, mas acabo por não saber de nada, eu nem mesmo descobri quem sou, não fiquei para ser acordado pela minha mãe e abrir meu presente de quinze anos, que agora, já nem lembro quantos aniversários já se passaram, mas todas as manhãs, encaro minha caixa velha, com seu tom verde apagado e imagino o que há dentro dela, gosto de pensar que quando eu achar o caminho para o meu “eu”, ela vai me fazer lembrar do meu verdadeiro  nome, e enfim,  vou poder ser espelhos. 

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